Mais uma operação da Polícia Federal (PF) atingiu nomes próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, nessa sexta-feira (11/8), a PF cumpriu mandados de busca e apreensão relacionados a um esquema de venda de bens entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente.
A investigação recai diretamente sobre Bolsonaro, uma vez que a Polícia Federal considerou que o valor arrecadado com a venda dos itens teria a finalidade de ser incorporado ao patrimônio do ex-presidente.
Os investigadores da Polícia Federal deram o nome à operação de “Lucas 12:2”. O título faz referência ao seguinte trecho bíblico: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.
Em poucos pontos, entenda a investigação:
Quem foram os alvos e qual o papel de cada um?
Na operação dessa sexta-feira (11/8), a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra o pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-advogado da família do ex-presidente e um assessor de Bolsonaro.
Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cesar Cid, ocupou cargo no escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami. Segundo a PF, ele teria negociado a venda dos itens nos Estados Unidos.
Frederick Wassef, por sua vez, advogado da família Bolsonaro, entrou em ação após o caso do desvio de um kit contendo um relógio da marca Rolex. O advogado chegou a ir aos Estados Unidos recuperar o item, que foi entregue a Cid.
Já o tenente do Exército Osmar Crivelatti, assessor de Bolsonaro, teria atuado tanto nas negociações dos conjuntos quanto para recuperar os itens.
Advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef é investigado pela PF
O general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid
Segundo-tenente Osmar Crivelatti Reprodução/Exército Brasileiro
Advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef é investigado pela PF I
O general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid
De quem partiu a determinação?
A determinação de busca e apreensão partiu do ministro Alexandre de Moraes. O despacho judicial se baseou em informações colhidas pela PF no âmbito do Inquérito 4.874, que investiga a existência de milícia digital contra o Estado Democrático de Direito.
A investigação, que ocorre desde julho de 2021, porém, se ampliou. Em maio de 2022, Moraes determinou que as averiguações sobre a atuação de milícias digitais e acerca dos ataques do presidente Bolsonaro às urnas eletrônicas caminhassem em conjunto.
Os investigadores afirmam ter identificado uma organização criminosa que atuava em cinco eixos, sendo um deles o uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens. Nesse sentido, foi constatado o desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras.
Em outro ramo do inquérito, que apura a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, Cid foi preso em 3 de maio no âmbito da Operação Venire.
Quais itens estão no foco?
A decisão de Moraes descreve a tentativa de venda de quatro conjuntos. Um deles é composto por esculturas de barco e palmeira, entregues a Bolsonaro na cidade de Manama, no Reino do Bahrein, em novembro de 2021.
Segundo a decisão, Cid e o pai, em conjunto com os assessores Crivelatti e Marcelo Câmara, remeteram o conjunto a lojas nos Estados Unidos. A venda do material, no entanto, não se concretizou somente em razão do baixo valor das esculturas.
A polícia considera que há indícios de que as esculturas possam ter sido desviadas do patrimônio público, sem sequer terem sido submetidas ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH).
Outro conjunto negociado é um kit masculino da marca Chopard, que inclui caneta, anel, abotoadura, rosário árabe e um relógio. O material foi recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021, como revelou reportagem do Estado de S. Paulo.
No fim de 2022, o item foi levado aos EUA no avião da Presidência e colocado à venda em leilão, em 8 de fevereiro de 2023, mas acabou não sendo arrematado. Após o caso ser revelado, os objetos foram recuperados em Nova Iorque e entregues ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Há um terceiro item, um kit de joias, que inclui anel, abotoaduras, rosário islâmico e relógio da marca Rolex. O material foi dado ao ex-presidente em visita oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2019, e vendido em junho de 2022, nos Estados Unidos.
Diante da repercussão do caso, em março de 2023, Wassef buscou apenas o relógio nos EUA e o entregou a Cid. Por fim, ele o encaminhou a Crivelatti. O restante das joias foi recuperado por Cid em 27 de março, quando viajou a Miami, nos Estados Unidos. Somente em abril de 2023, o kit foi entregue à Caixa Econômica Federal.
Na decisão ainda consta um relógio Patek Philippe, vendido com o Rolex. A PF aponta que o item foi presente para Bolsonaro, em novembro de 2021, dado por autoridades do Bahrein.
A corporação, no entanto, destaca que o bem sequer foi submetido à GADH e “teria sido desviado, de forma direta, ao patrimônio do ex-presidente”. Até o momento, não há indícios de que tenha sido recuperado.
Como as joias chegaram aos EUA?
De acordo com relatório da polícia que embasou a determinação de Moraes, a maior parte dos materiais foram levados aos Estados Unidos em dezembro de 2022, quando Bolsonaro viajou com comitiva dias antes de terminar o mandato.
Em 30 de dezembro, Bolsonaro e sua equipe de assessores deixaram o Palácio do Planalto em carros descaracterizados e embarcaram no Airbus 319 da Força Aérea Brasileira (FAB). O destino era Orlando, no estado da Flórida, nos Estados Unidos.
Segundo trecho da decisão, porém, um dos conjuntos foi levado aos EUA ainda em junho de 2022, quando Bolsonaro viajou ao país para participar da Cúpula das Américas. Nesse kit estaria o Rolex, vendido e depois recuperado por Wassef.
Quais são as hipóteses da PF?
A PF aponta que as mensagens trocadas entre os ex-assessores mostram haver “um esquema de peculato para desviar o acervo privado do ex-Presidente da República Jair Bolsonaro, os presentes de alto valor recebidos de autoridades estrangeiras, para posterior venda e enriquecimento ilícito do ex-Presidente”.
A PF formulou duas hipóteses criminais pelas informações compiladas, no período compreendido entre 2019 até o dia 31 de dezembro de 2022, em Brasília e outros locais.
Uma delas é que Bolsonaro, os ajudantes de ordens, Mauro Cid e Osmar Crivelatti, os assessores Marcelo Câmara e Marcelo da Silva Vieira, e outras pessoas não identificadas, “uniram-se, com unidade de desígnios, com o objetivo de desviar, em proveito do ex-presidente Jair Bolsonaro, presentes (ao menos três conjuntos de alto valor patrimonial) por ele recebidos em razão de seu cargo, ou por autoridades brasileiras em seu nome, entregues por autoridades estrangeiras.
A segunda hipótese investigada é que Bolsonaro, Cid, o pai dele, Marcelo Câmara e Crivelatti venderam os presentes, mantiveram os “recursos acautelados e sob responsabilidade do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid e, posteriormente, [foram] transferidos, em dinheiro em espécie, para a posse de Jair Bolsonaro”.